‘’ Nós dois nos olhávamos profundamente, como se houvesse algo a ser descoberto. Ou, simplesmente, como se apenas houvesse algo a ser dito. Externado. Expurgado dentes a fora, da maneira mais suave possível. Mais sincera e mais amável. Mais afável. Porque você era feita de delicadeza. A simplicidade em forma de pessoa. Em forma de mulher. E ali estávamos- sentados do lado direito do pátio, como de costume, - lado a lado. Só que separados por significativos quilômetros de convicções, abismos sentimentais e razões fúteis. Sim, razões fúteis. E justificativas momentâneas, daquelas que se diluem com o tempo.
[...]
Foi quando você quebrou o silêncio. Equilibrou-se em torno de sua própria linha de raciocínio e, diferentemente do que eu esperava, inundou-me com as poucas seguintes palavras: ’Maio já está acabando. E até quando vamos ficar assim?!’ Não havia mais nada a ser dito, porque você, naquele momento, já havia feito tudo.”
E agora, antes que ele comece de baixo dessas gotas de chuva, vim anunciar a sua chegada. Como sempre costumava fazer, sussurrando aos pés de seu ouvido, ou até mesmo com os bilhetes disformes de folha de papel. Rasgados sem a necessidade por uma perfeição simétrica. E a verdade, quetu bem sabes, é que nesse ano não existem mais bilhetes. Nem se faz mais assídua a minha pertinente voz que versava sobre os paradoxos, as loucuras e os devaneios pelos quais passaríamos. Porque, assim como aquele ano, esse mês também vai passar. E nós iríamos, mais uma vez, falir. Sim. Falir se fôssemos nos transformar em tentativas para converter em maio todos os outros meses. Para que pudéssemos resgatar a chance de voltar a esse tempo e cantar, em uma mesma sinfonia, a música que marcou a nossa amizade. Para que pudéssemos rir de nossas tradicionais futilidades e fingir que éramos felizes. Sobre aquelas circunstâncias, evidentemente. Para que pudéssemos retroagir àquele momento em que te abracei, porque tu estavas desesperada com o fim do mês e o possível fim da nossa amizade. E agora eu te digo que maio já começou. Ou melhor, recomeçou. Assim como os dias e as noites se sucedem, assim como as nossas próprias palavras, em estrofes de uma música, são recicladas e também se sucedem; assim como quando toda vez que te abraço, retorno àquele mesmo instante que tu fizeste tudo valer à pena. Com pequenas e simples palavras. Por isso, meu bem, tenhas certeza: Maio nunca vai acabar.