sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um lápis, um desenho, uma lembrança.

Eu sigo. Pelo menos continuo seguindo. Apesar da existência daqueles dias em que seguir se torna um exercício estafante, e você parece pairar em meio a todo um oceano de compromissos, cujas marés são embalsamadas por um distúrbio climático chamado cotidiano. É quando você se sente andando em uma linha imaginária retrógada, um caminho contrário; simétrico, no entanto. E você, nesse eixo difuso, próprio dos padrões psicológicos mais íntimos, intrínsecos, alimentados por sua alma confusa, porém veemente, depara-se com as antigas coordenadas de sua vida. Não tão antigas. Passadas, apenas.

Abri os olhos. E, diferentemente daquele dia nublado, tu não estavas aqui. Nem mais tão perto, nem mais presente. Foi quando os dias nublados perderam a sua tonalidade desbotada, própria dos momentos mais íntimos dos casais, e a cor cinza, que tomei emprestada para pintar os meus dias comuns, voltou a pertencer ao estojo de uma criança que, há mais de uma década, deixou de existir. Porque agora ela se fazia um adulto. A verdade é que quando criança, eu não entendia a necessidade da existência de uma cor tão amorfa, tão disforme, resultante da indecisão dos mais perfeitos paradoxos: o branco e o preto. E, hoje em dia, entendido por gente grande, sei da necessidade de existir aquele lápis de cor, praticamente ignorado em um estojo farto de possibilidades; o que seria dos amantes se ele não existisse. O que seria de mim, já que não teria onde recorrer a um empréstimo tão fiel e seguro. Ou sequer não teria com o que contornar as bordas dos meus dias comuns. Na expectativa de você voltar. E esse lápis se faz o pretexto de eu retroceder ao meu passado, divagando, conscientemente, pelo meu plano cartesiano, definido pelos meus eixos simétricos e coordenadas nítidas. Um pretexto de buscar a ti, minha infância, e, quem sabe, reencontrar quem eu tanto quero.
Foi quando eu tive uma brilhante idéia. E, com o mesmo lápis, utilizado para pintar o pano de fundo dos meus dias clichês, resolvi te desenhar. Sim, desenhar-te. Possivelmente, um decalque, porque não havia intenção alguma em distorcer a tua imagem, tão bem delineada nos contornos do meu pensamento. Então, imaginei aquele último dia, que, nas mesmas circunstâncias nubladas, tu olhavas para mim atentamente. Como se quisesse decifrar todos os mistérios presentes no meu olhar profundo e sincero. O teu porto-seguro. Enquanto eu segurava a tua mão, perpassava meus dedos por entre os teus, a fim de assegurar aquilo tudo ser uma verdade. E, de maneira firme, sem nem tu perceberes, eu te segurava contra os meus braços, em receio de, nos minutos subseqüentes, tu fazeres parte do meu passado. E não mais me aquecer. Nós sabíamos de tudo isso. Ou melhor, de tudo o que estava por vir. Apenas, fingíamos. Porque, apesar de não ter existido frases, nem promessas, existia mais alguém naquele cenário amordaçado e restrito, que executava nosso fluxo mental, nossa sintonia. O silêncio. Inabalável e confidente.  Que repousava em meio aos lençóis, que não mais nos envolvia, mas formatava nítido um divisor de águas.
Era uma despedia. Cordial.
(...)
Mas calma. Voltei ao meu estado presente e normal. E, depois de ter balançado a cabeça e esticado os braços, constatei a tua ausência. E, mobilizado pela vontade de seguir, ela tornou-se inexpressiva, arquivada como ponto no meu eixo cartesiano e guardada no seio da minha memória. Acontece que hoje está nublado; retroceder seria um exercício inevitável. Só que essa cor difusa, que mancha a suntuosidade do céu, não foi obra dos meus decalques. Talvez outro alguém esteja brincando de voltar ao passado. Talvez quisesse rememorar os fatos, sentir o cheiro e visualizar aquele universo de sensações. Tu, talvez. Porque só nós dois sabíamos a cominação possível, a dosagem perfeita daquela mistura de cores. De fatores.
Foi quando- em meio à janela do meu quarto e observando aquela visão panorâmica, aquele infinito- eu sorri. Foi quando eu, ainda garoto, também sorri, depois de ter constatado a ausência do lápis cinza na sua forma inteira.

2 comentários:

  1. Eu acho que está na hora de usar lápis coloridos, esse cinza está obscurecendo suas cores. Porque apesar de cordiais, eles são ingratos.

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  2. Bela sua escrita,como é belo o seu tocante com as palavras.

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