quinta-feira, 21 de abril de 2011

Castelo de cartas.

“Eles gostariam de salvar a paixão, de fazê-la durar, de conservá-la... Como poderia, se ela não depende deles, se a duração a mata, quando ela está feliz, já que a idéia de conservação é o contrário da paixão? Toda falta se aplaca, se não mata: porque a satisfazemos, porque nos habituamos a ela, porque a esquecemos...”.
                                                                                                                                 André Comte-Sponville.
 E o fato é que ela havia acabado. Demorou um pouco para ambas as partes perceberem. Aceitarem. Porque, em essência, já não fazia mais sentido, já não havia mais o mesmo encanto. Não olhavas mais nos meus olhos a procura de uma razão palpável para justificar a tua presença naquele lugar. Porque talvez nem houvesse mais justificativas. Não houvesse mais fins, nem afins. Talvez porque tudo já havia sido descoberto e os mistérios já teriam assumido a face de certezas. E foram essas certezas que nos fizeram olhar, continuamente, de uma forma vaga, porém, milimetricamente, mensurável para os nossos próprios papéis. Nossos próprios eixos. Eu conseguia perceber, nitidamente, a sua perda interna, na tentativa de camuflá-la, como de costume, em artifícios seus. Com a sua assídua inconstância. A qual me desafiava. A qual me dilacerava em vértebras incomuns, singulares. E que me contagiava. Sim. Daí eu passei a me perder nos seus caminhos mais íntimos, a vasculhar os seus escombros sentimentais, em busca de repostas para as minhas próprias atitudes. Meus próprios motivos. Mas elas, as respostas, eram difusas, eram redundantes. E esse ciclo vicioso, somente, fez-me chegar à conclusão de que erramos em conjunto. Dançamos uma valsa sincrônica e fomos cúmplices. Porque chamamos nossos erros de pontos de vista.
Mas não. Não foram erros. Atribuir essa denominação a tudo seria uma maneira simplista de querer que existam culpados; de querer sintetizar ao máximo os fatores em busca de um denominador comum; de querer que existam desculpas, lágrimas ou, quem sabe, arrependimento. E não há arrependimentos. Ambos sabíamos que, na verdade, houve uma gama seqüencial de fatos, atropelados. Mal interpretados. E não houve, sobretudo, tempo. Não houve circunstâncias que viabilizassem um encontro, não houve possibilidade sequer de visualizar o seu rosto. De saber que está bem, de ver que você não precisava mais de mim e, inevitavelmente, poder eu validar as minhas próprias conjecturas. Materializando-as.  Porque eu precisava voltar ao meu plano real, ao meu substrato, as minhas ideologias. Que se encontravam em repouso. Eu me encontrava em repouso. Esperando, sonhando. E, por fim, cansei. Cansei de acreditar, cansei de ressuscitar as suas palavras, tentando ordená-las de uma maneira que me fizesse sentido. Que soasse coerente aos meus ouvidos. Coerente a sua pessoa. Mas nem elas se fizeram presentes no momento em que tentei buscá-las no meu acervo mental. No porão de minha alma. Na reles expectativa de formatar a tua imagem quando brotavam as sextas-feiras nubladas. E o cinza do céu ambientava o pano de fundo da minha memória, de uma maneira particular. Intimamente, sua.
Pois bem.  Foi nessa busca incansável por palavras que encontrei o seu silêncio. E que passei a formatar o meu também, como se fosse um decalque. Porém, cada um com certo tom de originalidade. Fiel aos nossos próprios sentidos e instintos. Foi quando, também, eu me calei. E deixei de sorrir como sorria antes, andando, desconcertadamente, pela rua e distraído em uma aula chata. Ou como quando trafeguei pela aquela avenida, sentado no ônibus, que antes de  embarcar você havia gritado o meu nome. Para dizer que havia sido massa. É, e foi.  Você nem sabe, mas a verdade é que eu embrulhei aquele momento e guardei nos meus arquivos confidenciais. Para não amarrotá-lo com as dobras e nuances do tempo. Para não perder a sua cor autêntica e desbotada de um fim de tarde. E para me servir de certeza de que até pequenos momentos valem a pena. Por mais sucintos que sejam, por mais rápidos que se apresentem. Por mais rápidos que eles se esvaiam. Como um vento que sopra. E como eu mesmo assoprei o meu próprio castelo de cartas. Para que ele não se degradasse ou perdesse sua forma vulnerável. E para que outras histórias, outros casos, outras paixões pudessem acontecer. Tivessem a chance de existir. Assoprei, apenas. Mas conservo em mim a imagem integra e sólida disso tudo, edificada em minha memória.

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